O Orelhão faz 50 anos
Dromos Curiosidades

A icônica cabine telefônica ovóide completa meio século.

O Orelhão faz 50 anos
Quantas vezes namorados saíram atrás desses pavilhões auditivos de fiberglass para colar seus ouvidos em um fone monoaural – sem maiores preocupações sanitárias – ligado por uma alça grossa de plástico ao microfone, com foco apenas na duração de conversa permitida por cada ficha inserida e no diálogo com o amor na outra ponta da linha. E como a paixão tem o conhecido costume de entorpecer a razão, várias dessas fichinhas – com um risco em baixo relevo de um lado com um par deles no verso  – eram devoradas apenas na despedida.
 
 
Antes de seu affair com o rei Pelé, a rainha dos baixinhos, Xuxa Meneghel, disse que ligava quase todos os dias para Narciso Doval – um argentino que na época era jogador do Flamengo –, seu amor platônico, de um orelhão perto de casa: “Eu não falava nada, só ouvia a voz dele e desligava.”
 
Esse é só um dos vários gatilhos de memória afetiva que o desenho dessa peça da paisagem urbana nacional desperta em gerações de brasileiros. Todavia, como a instância londrina das cabines, as caixas vermelhas com finalidade semelhante, hoje elas fazem parte da identidade nacional mas estão sendo cada vez menos utilizadas sendo mais decorativas do que úteis (as cabines londrinas cada vez mais passam a ter carregadores solares no lugar de telefones e são pintadas de verde). Ainda assim, ao completar 50 anos de existência e bons serviços prestados, merece que recordemos sua história:
 
Seriáticos

Dos cerca de 100 milhões de habitantes do Brasil, 52 milhões viviam nas cidades. Assim, falar ao telefone instalado nas vias públicas era um enorme desafio. A CTB  (Companhia Telefônica Brasileira), empresa de capital canadense que, à época, era responsável pela telefonia nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, resolveu desenhar e testar a instalação de 13 cabines circulares de fibra de vidro e acrílico na cidade de São Paulo.

 
Talvez a iniciativa teve influência dos filmes do Superman, onde Clark Kent trocava de roupas em uma cabine telefônica novaiorquina (o estilo era de Nova York, a cidade era Metropolis) antes de sair voando. Mas por aqui a ideia não decolou. Além de um alto índice de vandalismo a empresa concluiu ainda que, a espaçosa cabine, além de abafada, acabava disputando com os transeuntes, o pouco espaço das calçadas (quem sabe daria certo no Canadá).
O problema a ser resolvido em meados de 1970: Encontrar uma solução em termos de design e acústica para protetores de telefones públicos, que apresentassem uma relação custo-benefício melhor que a dos já existentes e que se adequassem às condições ambientais. Com esses requisitos em mente, a criadora do desenho dos orelhões, a arquiteta Chu Ming Silveira (🟎 Xangai, 1941 – ♰ São Paulo, 1997), tomou como prioridade a funcionalidade. E em segundo lugar, deveria ser esquecido tudo que havia visto em termos de proteção de telefones e descobrir novas formas que deveriam responder à necessidade de proteger telefones e usuários, baixo custo de manutenção e fabricação, simplicidade de instalação, durabilidade e resistência a intempéries e danificação provocada e boa acústica. Além disso, deveria ser bonito, atraente para o público, modularidade para atender pontos de diferentes concentrações de público e ainda projetar uma boa imagem do serviço da CTB junto ao público.
 
Com o fracasso das cabines cilíndricas, um novo projeto de cabine telefônica era necessário.  Para se ter ideia, uma cabine cilíndrica custava em torno de Cr$ 3.500 (três mil cruzeiros) contra módicos Cr$ 500 (quinhentos cruzeiros) de um Orelhão. Para tentarmos vislumbrar o que seria isso hoje em dia, vou usar o índice Veja (inventei isso agora). Uma revista Veja custava na época Cr$ 2,50 e custa hoje R$ 8,90. Fazendo uma regrinha de três temos que cada cabine cilíndrica custava cerca de R$ 10.680 enquanto um orelhão custaria R$ 1.780.
 
Chu Ming, que era chefe da seção de projetos da CTB, primeiro fez uma pesquisa de materiais. E chegou a um que atendia a todos os requesitos: o acrílico. Depois criou soluções que variavam de acordo com o ambiente. 
Deste modo, criou o “Orelinha” para ambientes fechados. Era transparente (para ampliar o espaço visual) e possuía dimensões menores. Foi projetado para ser afixado em paredes e pequenos postes e diversos tipos de suportes. Grande parte do ruído era refletido e o restante, que entrava pela abertura frontal, era projetado para o seu foco, que ficava deslocado do ouvido do usuário médio, um brasileiro urbano com estatura média estimada em 1,75 m, e oferecia boa eficiência na faixa dos 30 a 50 decibéis.
 
Na mesma época, concluiu o projeto dos protetores para ambientes semi-abertos, com formato de concha acrílica e com o mesmo princípio de funcionamento do orelinha, só que com uma eficiência maior, na faixa de 50 a 60 decibéis de ruído.
 
Aí veio o Orelhão, mais difícil de projetar devido às condições desfavoráveis de uso: aplicação externa com sujeição a todo tipo de público, alto nível de ruído nas vias públicas e pouco espaço disponível nas calçadas com grande fluxo de pessoas. Dessa vez optou-se por um material ainda mais resistente que o acrílico: o fiberglass opaco.
 
Com funcionamento idêntico ao do orelinha, mas com uma maior eficiência na proteção acústica, na faixa de 70 a 90 decibéis de ruído, era prevista a disposição modular dos Orelhões que, com frequência, era colocados aos pares nas calçadas, ou em trios, nas praças. Presos na terra por tubos de ferro dava um aspecto semelhante uma flor. Por isso, dentre às várias denominações, os Orelhões também já foram chamados de “tulipa”.
 
Outro nome divertido era “capacete de astronauta”, porém, seu nome oficial era Chu II,  em homenagem à sua arquiteta. Suas cores eram as da CTB, o laranja e o azul, e eram equipados com aparelhos telefônicos vermelhos produzidos na cidade japonesa de Osaka, popularmente chamados de “vermelhinhos” ou “tamurinhas”.  A idéia surgiu em princípios de 1970 e por diversas razões o primeiro protótipo em acrílico de 6 mm de espessura só foi executado em meados de 1971, no saguão do edifício sede da CBT, na Rua 7 de Abril, região central de São Paulo.
 
No dia 20 de janeiro de 1972, dia de seu padroeiro, São Sebastião, a cidade do Rio de Janeiro recebeu, os primeiros Orelhões da CTB.  “Em cada cabina foi colocada uma fitinha amarela e, preso ao aparelho, o aviso: Hoje é dia de São Sebastião. Por favor, corte a fitinha e inaugure este telefone em nome de todos os cariocas.” Relatava o Estado de São Paulo em 21 de janeiro de 1972.
 
O jornal O Diário de São Paulo em reportagem sobre o aniversário da capital paulista, em 25 de janeiro, aproveitou para anunciar a chegada dos novos telefones às ruas da cidade:
 
“…E nesse dia, São Paulo ganha um presente da Cia. Telefônica Brasileira: 170 cabines de telefone de um novo modelo, batizado como “Tulipa” pela sua criadora, a arquiteta chinesa Chu Ming.”
Mantendo o tom comemorativo, o texto destacava a qualidade do design das ditas Tulipas, “em que a técnica se alia à beleza ambiental”.
 
 Em março de 1972, a CTB avaliava que a instalação dos novos equipamentos impulsionara um acréscimo de 12% na média diária dessas chamadas.
 
 
“Eu sabia que a melhor forma acústica era o ovo e, que além de simples, o projeto precisava permitir que a pessoa que fosse utilizar o telefone se sentisse à vontade”.
Chu Ming Silveira. Em matéria do “Estado de São Paulo”, 23/01/1972
 
Os Orelhões foram considerados excelentes para as regiões tropicais, e em 1973 foram vendidos para Moçambique, cujo clima é idêntico ao do Rio (de Janeiro).
 
A arquiteta Chu Ming participou da Bienal de Arquitetura de São Paulo com seus projetos de protetores telefônicos: Orelhinha, Concha e Orelhão.
 
Quando os orelhões começaram a ser exportados para outros países, a empresa Telesp substituiu a CTB na operação da telefonia no Estado de São Paulo.
Modelos da Call Parade
E em 1975, chegaram às ruas os orelhões azuis, para chamadas interurbanas (o serviço chamado de DDD – Discagem Direta a Distância).
 
Segundo pesquisas de mercado realizadas para a Telesp, nos anos de 1977 1978: o serviço de telefones públicos fora considerado ótimo por 18,8%, em 1977 e, no ano seguinte, por 20,4%. Bom para 36,4% em 77 e para 37,7%, em 78. Os orelhões, segundo a pesquisa, eram usados por 82% da população. 40% usavam-no pelo menos uma vez por semana. Quanto à “modernidade”, em 197873% concordavam absolutamente. 70% concordavam que os Orelhões eram “muito apresentáveis” e 66%, que estavam “bem localizados”.
 
Mas toda essa demonstração de reconhecimento pela utilidade e qualidade do serviço não impediam atos de vandalismo contra os Orelhões que eram frequentes e em grande número. O prejuízo levou a Telesp a contratar o publicitário José Zaragoza, da agência Dpz, que criou, em 1980, um filme que viria a tornar-se um ícone da publicidade brasileira. Utilizando elementos da crônica policial, o filme “A Morte do Orelhão” causou forte impacto, ao mostrar um Orelhão incapacitado de prestar serviço, vítima de violência.
 
A Morte do Orelhão
 
 
Em 1982, a Telesp inaugurou o primeiro Orelhão comunitário na favela da Vila Prudente, um telefone público que recebia chamadas.
 
Já a revista Seleções Reader´s Digest de março de 2002 destacava: 
 
Talvez não esteja nos seus planos viajar para países como Angola e China. Mas, se por acaso for a algum deles, não fique surpreso ao topar com um orelhão idêntico aos nossos. Até porque, sim, ele é made in Brazil.
Em 2012, a “Call Parade” – uma alusão à “Cow Parade”, maior evento de arte a céu aberto do mundo, onde Artistas selecionados usam uma escultura de uma vaca em tamanho natural, e em fibra de vidro, como suporte –, organizada pela Vivo, homenageou o Orelhão e sua criadora, com a exposição de cem Orelhões customizados por renomados artistas e designers brasileiros, nas ruas de São Paulo.
 
Small Cell entre dois orelhões (Wikipedia).

 

A partir de 2013, a Telefônica começou a adicionar uma nova utilidade aos orelhões em São Paulo através dos equipamentos Small Cell. Desenvolvidos pela empresa, uma Small Cell é uma caixa ligada por fibra óptica que contém uma pequena antena 3G ou 4G de telefonia móvel. Estes equipamentos fornecem cobertura de sinal num raio de até 100 m e estão presentes em locais onde se concentram grandes tráfegos de celular.
 
 
Os pouco mais de 213 mil orelhões que existem no país terão que ser mantidos pelo menos até 2025, quanto terminaria legalmente os atuais contratos de concessão, vendidos em 1998. No auge do serviço, passava de um milhão de TUPs (telefones de Uso Público, ou orelhões). Mas com o surgimento do celular e da banda larga, a Anatel foi, aos poucos, trocando os investimentos nesses serviços para outras alternativas de universalização.
 

Fonte: Orelhão – Ícone do DesignWikipedia TV FocoO GloboTelesíntese

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